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“Sua supervisora disse que você está doente e isso seria um problema para eu lhe contratar, mas queria ouvir de você antes.”

Essas foram as palavras do Fabio Cassio Costa Moraes lá no final dos anos 90, quando eu trabalhava em uma central de atendimento de telemarketing de um recém projeto que tinha sido lançado em uma parceria da Folha de SP e o grupo Abril, chamado UOL (hoje um dos gigantes da internet), no qual o Fábio era um gerente sênior recém chegado

Para vocês entenderem o que elas significam, e um pouco sobre a personalidade – e liderança – humana do autor do livro que vou falar mais abaixo, eu preciso dar um pouco mais de contexto.

Na época eu trabalhava como atendente de suporte ajudando os novos assinantes do UOL a conseguirem uma conexão com a internet com seus modems e linhas telefônicas (se você também estiver na casa dos 40 e poucos como eu, deve até ter se lembrado – e ouvido – o som característico do telefone fazendo a conexão), não era um trabalho particularmente difícil, mas eu morava longe e fazia faculdade ao mesmo tempo, tinha os horários todos quebrados com as aulas, às vezes plantões a noite na central e outras correrias da vida, que me faziam ter apenas quatro ou cinco horas para dormir por dia.

Eu achava que a falta de sono não seria um problema, mas, no longo prazo, qualquer violência com o nosso corpo – ainda mais algo tão importante quanto o sono – cobra um preço. Não demorou muito para a conta chegar: passei a ter crises de pânico em que eu, literalmente, “travava” e não conseguia me mexer e nem falar por alguns minutos. Tive uns dois episódios durante o meu expediente na empresa que me fizeram parar no pronto-socorro.

É aqui que começa a minha história com o Fábio. Ele foi contratado para montar uma operação de atendimento eletrônico, que na época consistia em dar suporte para os nossos milhares de anunciantes, que não paravam de chegar, via e-mail. Apesar de ser um trabalho parecido em essência, era dentro do horário comercial (sem mais plantões na madrugada e final de semana), não havia mais o contato telefônico e teríamos espaço para testar algumas automatizações e outras formas criativas de atender os clientes. Era claramente uma movimentação positiva e que foi muito disputada internamente.

Para entrar na área, era preciso saber escrever bem (eu cursava letras na época), ter razoável noção de inglês (eu tinha) e passar por uma bateria de entrevistas até chegar no papo final com o Fábio. Eu me joguei no processo, passei pelos filtros, por todas as entrevistas iniciais e estava prestes a ir para a etapa final.

Como quase tudo na vida, crescer traz desafios diretos e indiretos, eu encontrei um enorme. A minha supervisora à época achou que era relevante contar para o Fábio o meu histórico de saúde, e os episódios em que passei mal no trabalho, durante o processo seletivo para mudar de área. Não sei se por maldade, medo, ou até mesmo certa inexperiência em gerenciar pessoas, mas, com contexto do mundo que eu tinha, principalmente sobre como os líderes (chefes?) se comportavam, aquilo era um verdadeiro desastre. Eu tinha certeza ABSOLUTA que seria imediatamente reprovado quando soube que o novo gerente estava a par da minha situação.

Só que o nome desse gerente era Fábio, alguém que, mesmo com toda aquela influência externa jogando contra, tem um olhar diferente para as pessoas. Ele não olhava apenas o currículo, o momento, a dificuldade, mas sim todo o ser de forma integral e integrada, indo até mesmo para o nosso lado espiritual (seja lá o que isso signifique para você). Ele olhou o meu filme todo, não apenas a fotografia.

Voltando agora para a frase do começo da história: “Sua supervisora disse que você está doente e isso seria um problema para eu lhe contratar, mas queria ouvir de você antes.”

Eu gelei quando escutei essa frase saindo da boca dele, mas, mesmo contra o meu instinto e minha pouca experiência profissional que me dizia para tentar inventar algo, diminuir o que quer que a minha supervisora tivesse falado para ele, resolvi abrir o jogo e ser completamente sincero sobre a situação. Contei, com riqueza de detalhes, tudo o que estava acontecendo, as minhas crises, os episódios na empresa, o tratamento que eu estava fazendo para melhorar e até mesmo o nome do remédio que eu estava tomando. Depois de um pouco menos de 30 minutos de conversa, com o olhar paternal e doce que só quem conhece o Fábio sabe, ele virou e me disse: “eu não julgo as pessoas por casos isolados, se você está me dizendo que consegue fazer bem o trabalho eu acredito. Passou em todas as entrevistas e em todos os testes e tem um ótimo perfil para trabalhar aqui, seja bem-vindo para o time.

Eu fiquei em um certo estado de choque.

Apesar de estar muito feliz com a decisão e em dar um passo que considerava positivo na minha carreira, eu não conseguia entender como um gerente iria contratar uma pessoa “problemática” para a equipe. Honestamente? Se eu estivesse no lugar do Fábio naquele momento e com o meu conhecimento de mundo, eu provavelmente não o faria.

Na época eu era muito novo e pouco experiente quando o assunto era o mundo corporativo, havia tido apenas alguns poucos gerentes durante a minha carreira até ali e a maioria deles eram fãs da escola “eu grito, você obedece e é assim que o mundo gira”. Ter ali na minha frente um líder que parou para escutar a minha história, desconsiderou uma aparente tentativa de me desqualificar do processo, um problema de saúde e que, principalmente, confiou em mim, alguém que ele mal conhecia, era algo que eu sequer sabia que existia nesse mundo. Só anos depois eu fui entender que tive a sorte de cruzar com um grande líder humanizado, um que já falava sobre e praticava a humanização no trabalho décadas antes do tema estar em evidência e badalado como hoje.

Só que essa história não impactou apenas aquele meu momento de carreira, ela foi muito mais longe comigo. Depois que eu e o Fabio seguimos caminhos diferentes profissionalmente, nunca mais saí do mundo da tecnologia e trabalhei em grandes empresas – Google e Facebook sendo as mais expressivas – a maior parte como executivo. Numa dessas experiências, já como diretor de uma área de vendas, lembro de um dia em que uma das vendedoras do time me pediu para ter uma conversa meio de sopetão. Achamos uma sala vazia no canto do escritório e ela, sem conseguir conter o choro, contou que está enfrentando um grande desafio pessoal, de como isso tem afetado a sua saúde e da sua preocupação com os resultados daquele trimestre.

Eu me vi nela como se estivesse olhando para um espelho que remetia ao passado, como se fosse eu ali, na minha conversa com o Fábio, abrindo o meu coração com o medo de ser julgado, reprovado e excluído. Antes mesmo que ela terminasse de falar, eu a interrompi e fiz questão de dizer que estava tudo bem, que todos temos os nossos desafios, que nem eu, e nem a empresa, íamos julgá-la para um momento curto e que estamos ali todos em um jogo de longo prazo, que ela poderia contar comigo, com a empresa e com todos os colegas naquele momento.

Acho que essa foi uma das grandes lições que eu aprendi com o Fábio, não é só uma questão de olhar as pessoas de forma humanizada, que em si é muito importante, mas de lembrar que o trabalho e nossas vidas pessoas estão integradas, são inseparáveis, e que o que mais importa é o filme que vamos co-criar com todos que estão ao nosso redor, incluindo as empresas, e não apenas pequenos momentos e fotografias que não fazem jus ao todo.

Uma lição que eu levo para a minha própria vida e para todos que interagem comigo profissionalmente.

Quando eu olho para trás e penso nos grandes líderes e grandes profissionais que me inspiraram, o Fábio está lá entre eles em lugar de destaque. A semente da humanidade, de um olhar amplo sobre o ser, de que dá para fazer de forma diferente, cresce até hoje dentro de mim. O mundo corporativo não precisa ser um lugar de sofrimento, a nossa vida não precisa ser um lugar de sofrimento, podemos sim encontrar satisfação, felicidade e equilíbrio em nossas jornadas profissionais e pessoais. Eu acredito nisso.

O texto acima é, além da minha história pessoal, o prefácio do livro A Jornada do Eu Integral – Os Sete Grandes Caminhos para o seu Propósito, do professor Fabio Cassio Costa Moraes, que tive o privilégio de escrever. Eu recomendo duas coisas: sigam o Fabio e leiam o seu livro.

Que a leitura toque todos vocês de uma maneira única, assim como os ensinamentos do professor Fábio um dia me tocaram um dia. E que dê muitos frutos, tantos que vocês terão que dividir com outras pessoas ao seu redor.

Boa leitura.

Luciano Santos 

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Liderança não é privilégio, cargo bonito ou status, mas sim uma baita de uma RESPONSABILIDADE.

Quando assumi um dos meus maiores desafios como líder de um time espalhado por três escritórios da América Latina, uma das primeiras responsabilidades que tive foi contratar alguns gerentes para expandir a equipe.

Sempre fui, e sou, fã de contratar prata da casa, e o primeiro lugar que olhei em busca de talentos foi o time que eu gerenciava diretamente e também outras áreas que interagiam conosco. Depois de divulgarmos bem a vaga internamente, conseguimos levantar um bom grupo de candidatos e comecei o processo de entrevistas.

Já numa fase avançada da seleção, eu estava considerando dois profissionais para uma das vagas abertas quando algo curioso aconteceu. Duas pessoas me procuraram para dar feedback sobre um dos candidatos (mesmo o processo sendo, em teoria, confidencial). Os feedbacks foram bem parecidos: a pessoa era extremamente agressiva no dia a dia e já tinha dado muitos exemplos de falta de respeito com os colegas. Uma das pessoas que me procurou era uma possível futura subordinada do candidato e ela foi direta, dizendo que, se ele fosse o escolhido para a vaga, ela iria tentar uma transferência interna ou até mesmo considerar sair.

Curioso e um pouco chocado com o que escutei, resolvi validar a percepção com o atual gerente direto do candidato. Ele não apenas confirmou, como reforçou que, apesar do candidato ser um excelente profissional que entrega acima da média, era realmente tido como uma pessoa difícil de lidar, e esse foi o motivo dele nunca ter conseguido se mover para um cargo de gestão, que já tinha tentado três vezes.

O que você faria se estivesse no mesmo lugar? Quando eu trago este caso para discussão nos meus treinamentos de liderança, geralmente a resposta é rápida e curta: é só tirá-lo do processo.

Sim, este realmente é um motivo justo para reprovar um candidato, não há espaço para agressão e falta de respeito em um cargo de liderança, mas também era preciso dar feedback claro e transparente sobre o que aconteceu, e foi o que fiz. Eu chamei o candidato para uma conversa e fui brutalmente honesto sobre as coisas que apareceram e como ele precisava trabalhar naqueles pontos antes de assumir uma vaga de liderança. A resposta dele me surpreendeu ainda mais do que tudo que aconteceu: ele não sabia que as pessoas tinham aquela percepção.

Nos 3 anos em que todo este drama se desenrolou, ninguém, principalmente um dos dois gestores que teve — e que sabiam muito bem do que estava acontecendo — deu feedback. Ali estava eu diante de um candidato “bloqueado” para oportunidades por algo que ele não entendia e nem recebeu feedback sobre.

Depois da nossa conversa, o candidato absorveu totalmente o feedback, mudou radicalmente sua postura e hoje está sentado em uma cadeira de gestão em uma grande empresa de tecnologia.

Este caso mostra como um gestor mal treinado, que foge às suas responsabilidades, pode bloquear profissionais por falta de orientação e até mesmo destruir carreiras. Hoje, no meu papel de educador corporativo e mentor, eu vejo isso acontecer o tempo todo. Gestores que não sabem comunicar, que não sabem dar ritmo aos times, que não conseguem pensar em todas as partes que compõem o sistema corporativo, que não sabem criar uma cultura equilibrada e, o pior de todos na minha opinião, não sabem dar (e receber) feedback.

Esses gestores, ou, como diz um amigo meu, moedores de gente, estão em todas as partes. E o problema é bem pior do que parece. Eu fiz uma pesquisa com 6500 gestores com a seguinte pergunta:

“Depois que você se sentou em uma cadeira, já fez algum treinamento para liderar pessoas?”

Apenas 43% responderam que sim. Mais da metade dos gestores não recebem treinamento para lidar com as pessoas, e, os que recebem, às vezes o fazem de forma precária ou rasa.

Entenderam o tamanho do problema?

Quero fechar minha passagem aqui com dois pensamentos. O primeiro é para os líderes que estão nos lendo: se você escolheu estar em uma posição de gestão (liderança é uma escolha!), é sua obrigação ir atrás de conhecimento e preparação. Liderança não é privilégio, cargo bonito, status ou coisas dessa natureza, é uma imensa RESPONSABILIDADE. Se você decidiu assumir esta responsabilidade, cumpra com suas obrigações!

O segundo é para todos os liderados que vão, hora ou outra, cair na mão dos 57% de gestores mal preparados que inundam o mundo corporativo: você precisa aprender a lidar com eles, por mais difícil que seja. Não podemos obrigar as empresas a treinarem com excelência seus gestores, mas podemos entender a dinâmica do mundo corporativo, o papel dos chefes ruins, e navegar da melhor forma que pudermos.

Por isso, quando o professor Eberson Terra me convidou para escrever o prefácio do livro ‘Manual antichefe: Como enfrentar a toxicidade na gestão e não repetir os mesmos erros ao se tornar um líder’ (confere aqui), fiquei radiante! O prefácio é, inclusive, esse texto que você acabou de ler. Finalmente, alguém preparou uma ferramenta para que centenas de milhares de profissionais tenham uma forma de lidar com os chefes ruins.

Você vai precisar dela em algum momento da sua carreira, todos vamos. Não deixe de conferir o livro.

DALL·E 2025-03-10 08.01.33 - A caricature-style illustration depicting a workplace scene where a boss is giving vague feedback to an employee. The boss, wearing a suit, gestures c

Feedback: você não tem presença executiva

“Ele acha que você não tem presença executiva.”

Há alguns anos, escutei isso do meu gerente, que escutou isso do gerente dele quando foram discutir minha potencial promoção naquele ciclo. Na época, não entendi muito bem o que aquilo queria dizer e pedi exemplos, sugestões do que eu poderia fazer para melhorar a tal da presença executiva e dar o próximo passo.

Não veio muita coisa. Tentei me vestir melhor, prestei mais atenção na maneira como me comunicava internamente, mudei de postura com os clientes e coloquei muita energia para tentar evoluir naquele ponto. Não adiantou. Na próxima conversa de carreira que tivemos, lá estava ele novamente: “ainda precisa melhorar a presença executiva”.

Hoje, olhando em retrospectiva, percebo que recebi o que chamo de feedback insignificante.

“Luciano, mas que bicho é esse?”

É o feedback sem conteúdo, sem exemplo, sem sugestões de como podemos melhorar e, geralmente, fruto da percepção particular que alguém teve de você. Ele é terrível porque, depois de recebê-lo, simplesmente não sabemos o que fazer para melhorar.

Sabe o que eu fiz na época? Mudei de time. Uma vaga interna abriu, apliquei, e em alguns meses estava em outra área e sob outra liderança. Não demorou muito para eu conquistar minha promoção e dar mais um passo na minha carreira rumo ao lugar onde estou hoje.

Eu provavelmente nunca conseguiria mudar a percepção que tinham sobre mim e minha falta de “presença executiva” na outra área, mas tem algo que eu sempre posso mudar: eu decido onde quero estar.

Deixo esse conselho para todo mundo: se o seu chefe, o chefe dele, ou qualquer outra coisa não te deixar crescer, mude.

Mude quantas vezes for necessário.